16.9 Usucapião: Usucapião Familiar
O usucapião é uma forma de aquisição da propriedade imóvel, que se dá pelo exercício da posse de maneira contínua, pacífica e com ânimo de dono, durante um período de tempo estipulado por lei. Dentre as modalidades de usucapião, o usucapião familiar, também conhecido como usucapião por abandono de lar, é uma figura jurídica introduzida no ordenamento brasileiro pelo Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) e posteriormente regulamentada pelo Código Civil de 2002.
Esta modalidade de usucapião tem como objetivo a proteção daquele cônjuge ou companheiro que permaneceu no imóvel após a separação de fato, mantendo a posse direta, com exclusividade, sem a presença do outro cônjuge ou companheiro que abandonou o lar. O usucapião familiar surge, então, como um mecanismo de efetivação do direito à moradia e de reconhecimento da função social da propriedade.
Requisitos para o Usucapião Familiar
Para que se configure o usucapião familiar, é necessário o preenchimento de alguns requisitos específicos, elencados no artigo 1.240-A do Código Civil, que são:
- Posse direta e exclusiva: O requerente deve ter a posse direta do imóvel, sem a participação do ex-cônjuge ou ex-companheiro, e essa posse deve ser exercida de forma exclusiva, sem compartilhamento com terceiros.
- Abandono do lar: O outro cônjuge ou companheiro deve ter abandonado o lar, ou seja, deixado de habitar o imóvel sem justificativa plausível, rompendo com a vida em comum.
- Tempo de posse: A posse direta e exclusiva deve ser mantida por, no mínimo, dois anos ininterruptos sem oposição.
- Área urbana de até 250m²: O imóvel em questão deve ser urbano e ter área de até 250 metros quadrados.
- Imóvel utilizado para moradia: O imóvel deve ser utilizado pelo possuidor como sua moradia ou de sua família.
- Ausência de propriedade de outro imóvel: O requerente não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
Procedimento para o Reconhecimento do Usucapião Familiar
O reconhecimento do usucapião familiar pode ser obtido judicialmente ou extrajudicialmente. No procedimento judicial, o interessado deverá ajuizar uma ação de usucapião, apresentando todos os documentos que comprovem o preenchimento dos requisitos legais. Já no procedimento extrajudicial, o requerente pode buscar o reconhecimento da usucapião diretamente no Cartório de Registro de Imóveis competente, desde que haja a concordância dos confrontantes e não existam dúvidas quanto à posse.
Em ambos os casos, é essencial a assistência de um advogado especializado em direito imobiliário, que orientará o requerente sobre a documentação necessária, como declarações de testemunhas, comprovantes de residência, certidões negativas de ônus reais, entre outros. Além disso, o advogado elaborará a petição inicial no caso de procedimento judicial ou a ata notarial para o procedimento extrajudicial.
Aspectos Controvertidos do Usucapião Familiar
O usucapião familiar não é isento de controvérsias. Uma das questões mais debatidas é o conceito de "abandono do lar". Não existe um consenso sobre o que constitui um abandono válido para fins de usucapião, e muitas vezes, esse ponto é objeto de discussão nos tribunais. Ademais, há questionamentos sobre a possibilidade de se reconhecer o usucapião familiar em casos de imóveis financiados ou quando o imóvel é objeto de litígio em partilha de bens.
Ainda, a exigência de que o requerente não possua outro imóvel pode ser vista como uma limitação ao direito à moradia, especialmente em casos onde o segundo imóvel não atende às necessidades habitacionais do indivíduo ou sua família.
Considerações Finais
O usucapião familiar é uma ferramenta jurídica de grande relevância social, pois visa garantir a segurança jurídica e a função social da propriedade para aqueles que, após o abandono do lar pelo cônjuge ou companheiro, mantêm a posse do imóvel e nele residem. A correta compreensão e aplicação dos requisitos legais são fundamentais para a efetivação desse direito.
É importante ressaltar que o usucapião familiar deve ser sempre analisado caso a caso, com a devida atenção às particularidades de cada situação. A assistência de um profissional especializado é indispensável para a condução adequada do processo, seja ele judicial ou extrajudicial, assegurando assim o direito à moradia e a justa regularização da propriedade imobiliária.