Direito Intertemporal e o Novo Código de Processo Civil
O Direito Intertemporal é um conjunto de normas e princípios que regulam a aplicação de leis no tempo, especialmente quando ocorrem mudanças legislativas. No contexto do Direito Processual Civil brasileiro, a promulgação do Novo Código de Processo Civil (NCPC), Lei nº 13.105/2015, trouxe à tona importantes discussões sobre a aplicação das novas regras aos processos em andamento. A transição do Código de Processo Civil de 1973 para o NCPC gerou um cenário de adaptações e interpretações sobre como proceder com as ações judiciais já iniciadas.
O artigo 14 do NCPC estabelece que a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada. Este é o princípio do isolamento dos atos processuais, que visa garantir a segurança jurídica e a proteção da confiança legítima dos jurisdicionados que atuaram sob a égide do código anterior.
Entretanto, a aplicação do Direito Intertemporal não é tão simples quanto parece. A complexidade surge quando as novas regras processuais interferem em aspectos substanciais da relação jurídica, como prazos, condições da ação, pressupostos processuais e procedimentos. Nesses casos, o operador do direito deve se debruçar sobre os princípios da irretroatividade e da segurança jurídica para determinar a aplicabilidade das novas disposições.
Princípios Orientadores
Além do princípio do isolamento dos atos processuais, outros princípios orientam a aplicação do Direito Intertemporal no processo civil:
- Princípio da Irretroatividade: As leis novas não afetarão as situações jurídicas já consolidadas sob a vigência da lei antiga.
- Princípio da Segurança Jurídica: A confiança dos cidadãos no ordenamento jurídico deve ser protegida, evitando-se alterações abruptas que possam prejudicar direitos adquiridos.
- Princípio da Aplicação Imediata: As normas processuais são de aplicação imediata, ressalvadas as exceções previstas em lei.
Aplicação às Fases e Atos Processuais
A aplicação das novas normas processuais deve considerar as fases e atos já praticados:
- Fase Postulatória: Se a petição inicial foi protocolada sob a vigência do CPC/1973, as normas relativas à capacidade processual, legitimidade e interesse processual devem seguir o código antigo. Já as normas relativas à forma e aos requisitos da petição inicial são regidas pelo NCPC.
- Fase Instrutória: As provas já produzidas são regidas pela lei vigente à época, mas os procedimentos para a produção de novas provas seguem o NCPC.
- Fase Decisória: O julgamento deve considerar as normas de direito material conforme a lei vigente no momento do fato gerador, mas o procedimento para prolação de sentença será o do NCPC.
- Recursos e Execução: Os recursos interpostos contra decisões proferidas após a entrada em vigor do NCPC seguem as novas regras, assim como as fases de cumprimento de sentença e execução.
Normas de Transição
O NCPC trouxe em seu bojo normas de transição que buscam esclarecer a aplicação das novas regras aos processos pendentes. Tais normas estão contidas principalmente nos artigos 1.046 a 1.054, que tratam de disposições finais e transitórias, e têm o objetivo de orientar a comunidade jurídica sobre a forma de proceder diante das mudanças legislativas.
Por exemplo, o artigo 1.046 estabelece que o NCPC não se aplica às decisões proferidas sob a vigência do código anterior, às situações jurídicas consolidadas e aos processos findos. Já o artigo 1.047 dispõe sobre a aplicabilidade das normas processuais relativas a prazos, nulidades e recursos, entre outras.
Desafios e Controvérsias
A transição do CPC/1973 para o NCPC não está isenta de desafios e controvérsias. Um dos principais pontos de debate é a aplicação do novo regime de precedentes obrigatórios e a sua influência nos processos em andamento. Outra questão relevante é a aplicação das novas regras de honorários advocatícios e sua retroatividade.
Ademais, a jurisprudência tem papel fundamental na interpretação das normas de Direito Intertemporal, sendo que os tribunais superiores brasileiros já proferiram diversas decisões que orientam a aplicação das novas regras processuais. Essas decisões buscam harmonizar os princípios do Direito Intertemporal com a necessidade de efetividade e celeridade processual.
Conclusão
O estudo do Direito Intertemporal é essencial para a compreensão e aplicação adequada do NCPC. A transição de um código para outro exige uma análise cuidadosa das normas de transição e dos princípios que norteiam a matéria. A segurança jurídica, a proteção da confiança legítima e a efetividade da justiça são valores que devem ser preservados em meio às mudanças legislativas. Assim, o operador do direito deve estar atento às nuances do Direito Intertemporal para garantir a correta aplicação das normas processuais e a tutela adequada dos direitos em litígio.